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sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O seio da dor...


São situações inimagináveis há poucos anos atrás, essas que se nos, atualmente, apresentam. Há fatos que sempre existiram mas, nunca foram tão expostos como tem sido recentemente. Também, a caleidoscópica combinação de certos fatores, forma inusitados quadros. Aqui, câncer no seio, gays e, preconceito, combinam-se para desafiar a caridade e o cáracter das pessoas. Personagem de meu círculo de relacionamento, é gay. Trata-se de uma mulher, já de meia idade, avançando para inteira. Há não muito tempo atrás, provavelmente sob o peso de insuportável pressão emocional, respondeu com longa narrativa ao meu prosaico "Como vai?"  Disfarcei como pude a surpresa da confidência e da confiança e, prestei severa atenção ao desabafo. Pretendendo naturalidade, contou-me que sua companheira travava sofrida batalha contra um câncer no seio. Não permitiu espaço para explicar o fato "companheira" que, percebi; incomodou-a, preferindo buscar em meu olhar, compreensão e aceitação imediatas, para uma situação que, preferia ela, seria de tácito conhecimento geral. Não a existência da companheira, talvez, mas, o fato de ser ela, gay. Aceitei de bom grado seu silencioso pedido e, a conversa seguiu adiante. Descreveu-me as agruras do tratamento, as sabidas vexações físicas que as drogas provocam; subliminarmente queixou-se da segregação e isolamento social, em um momento em que o apoio de amigos e vizinhos fazia-se tao necessário; as ausências forçadas no trabalho para poder assistir a companheira, enfim; uma serie de aborrecimentos e contrariedades que, se por si só, já seriam dolorosos, agora somados a doença, tornaram-se terrivelmente espinhosos, quase insuportáveis, notei.
Emprestei a - direi amiga? não importa; naquele momento, fomos extremamente amigos - meu melhor ouvir e, convidei-a a vir em casa. Perguntou-me do fundo de suas dores, com humildade indescritível: Posso levar minha companheira? Respondi com um único "sim", claro, amigo e firme, levantando e saindo de onde estávamos, esmagado por uma enorme dor em meu masculino seio. Envergonhado; disfarçadamente, soltei a pedra do preconceito que, as vezes, impiedosamente, carrego em minha mão...

sábado, 15 de setembro de 2012

A Soma das Ilusões


Apreensivo foi o olhar com o qual avaliou o resultado das ilusões que, como nuvens esvoaçantes, haviam percorrido os céus, purgatórios e, os infernos de sua vida... Somados os sucessos, abatidos os fracassos, divididos os enganos e, multiplicadas as esperanças, o que lhe restara nos rasos bolsos da alma, mal dava para a travessia dos últimos invernos... A tênue chama a manter algum brilho no acanhado olhar, queimava o combustível das glorias passadas; muitas destas desperdiçadas nos amontoados da insensatez que  permeava sua existência. Nenhum grande feito no presente, ou no futuro de horizonte curto, que pudesse trazer, solitária e suave brisa de entusiasmo a uma existência que se vergara ao peso do tempo e dos desenganos.

A falta material, as ausências afetivas e, a vontade tíbia, aviltavam-lhe o já esburacado caráter e, lhe roíam a dignidade, causando incômodo e dor. Não tinha forças para suportar a ideia de uma vida de necessidades agudas,  somando-se a uma existência de realizações inexistentes. Dificuldades insuperáveis, impediam-lhe diagnosticar o mal que lhe consumia os dias presentes e por vir. Curvara-se a conveniências egoístas e, nisso residia sua covardia diante dos desafios que lhe impunha a existência pequena e amorfa. Sabia-se ser patife mas, não resistia a si próprio. Infligira-se definitivas derrotas e, recusava buscar ajuda, garantindo a todos, estar bem e feliz... Atribuía os percalços mais evidentes, de impossivel disfarce, ao inexplicável  e a  forças ocultas no Além ...

Embrulhava os dias ruins e, os melhores também, em um  invólucro  de falsa fidalguia e, avançava tempo adentro. Confortava-lhe a certeza de que nada volta na existência. Na conta final, avaliava; levaria vantagem,  já que os acontecimentos felizes perdiam por larga conta, para os dias de amargura. Místico, confiava que a Força maior havia previsto um final feliz, não importava quanto tortuosos fossem os caminhos que o conduziam ao Shangri-lá de suas ilusões perdidas e, esquecidas. Quem sabe, mesmo, a realidade seria, nada alem do que uma ilusão difusa a esvair-se no Tempo...