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domingo, 12 de fevereiro de 2012

Sempre o mordomo...

Gosto de filmes antigos. Nem todo filme antigo é bom, claro. Refiro-me a aqueles os quais, um dia,  causaram impressão a mim e a muita gente. Sobreviveram a críticas, a modas e modos, sendo, então, colocados no pedestal dos incontestáveis portadores de mensagem de singular valor. Admiro a elegância dos personagens e, o respeito a atitudes básicas, muitas das quais, já irremediavelmente esquecidas, como por exemplo, a indispensável delicadeza romântica entre homens e mulheres. Nada de - perdoe a grosseria - rapidinhas. Vestígios do Dia é um destes filmes. Reúne os predicados necessários para ocupar lugar especial entre as obras da 7a. Arte. Confesso, sem nenhum embaraço que, nunca soube quais seriam as outras 6, embora algumas sejam óbvias, tais como a Pintura; a Escultura; a Impunidade; a Subtração (sorrateira) do Alheio ou Punga; a Literatura; a Permanência (a qualquer custo) no Poder e, outros dons divinos ou diabólicos. Se a Política é uma das artes, com certeza enquadra-se no segundo grupo.
O elenco, excelente, inclui Emma Thompson, James Fox, Christopher Reeve, Hugh Grant, Ben Chaplin e, com certeza um dos maiores atores de cinema e teatro, Sir Anthony Hopkins. A trama gira em torno do mordomo Stevens (Hopkins) e - adianto - a questão não envolve culpas por assassinatos, e sim aquelas relativas a infrações cometidas contra si próprio. E, estas são muitas e, severas. Acho uma caceteação contar, e ouvir, enredos de filmes. Não sacrificarei a ninguém, portanto. 
Hopkins encarna Stevens, o tradicional mordomo inglês; leal,  discreto, eficiente. Dignidade é o mote de sua vida. A personalidade de Stevens, imune a demonstrações de sentimentos, é submetida a uma sucessão de acontecimentos comuns, embora as vezes trágicos, de uma vida ordinária. As oportunidades nas quais a amizade, o amor, a dor, o riso, o choro, a alegria e a tristeza se ofereceram; a todas elas Stevens resistiu e "venceu", sempre norteado pela fidelidade canina a seu lorde e senhor. Para quem assiste,  uma sequência de metáforas desenrola-se e, é inevitável  não pensar nos caminhos que escolhemos nas encruzilhadas e bifurcações  que a vida nos trouxe. Família, ou trabalho? Amor ou carreira? Aventura ou segurança? Fidelidade a si, ou aos outros? Emoções, ou insensibilidade diante da dor e do prazer? Expor-se ou ocultar-se? As respostas parecem fáceis e óbvias mas, não o são. Muitos fatores influenciam na sorte que lançamos a todo instante em nossas vidas. Pessoas, valores, costumes, níveis de consciência e, mesmo, lugares, para citar poucos, entre muitos outros dados que se interpõem entre o sim e o não, ir ou ficar, matar ou morrer, rir ou chorar... 
Stevens, quando indagado sobre seu conhecimento sobre determinados fatos relativos a conduta de seu lorde e senhor, apelou a ordem e, explicou que não era parte de suas atribuições registrar o que acontecia a seu redor. Apontou suas limitações, muitas delas auto-impostas como parte da disciplina da profissão de mordomo. Seu pai, também mordomo, como exemplo da necessária discrição, orientara que quando entrasse em uma sala vazia, fizesse com que a sala parecesse mais vazia do que antes. Instado a fazer juizo de valor ainda sobre seu amo, dissimuladamente, admitiu que enganos pudessem ter acontecido mas que, sempre prevaleceu a honestidade nas intenções. Repetiu a exaustão sua crença na dignidade, como sendo o grande valor humano.
Pode parecer tibieza do personagem diante de desafios. Pode também ser consequência da certeza de que a vida nao se resume ao que os olhos vêem, e ao que os sentidos detectam. A eternidade,  é uma realidade certa e que lhe pertence. Então, não há razão para ansiedades. O choro de hoje, será o riso de amanhã. Da mesma forma, o amor substituirá o  ódio, o sim tomará o lugar do não; é essa a mensagem que, as vezes, Stevens pareceu transmitir com sua granítica impassividade.
Reencontrou a mulher que o amou e que, possivelmente, ele tenha também amado, 20 anos depois. Sob chuva torrencial, debaixo de um guarda-chuva, dela despediu-se, para sempre, com etéreo sorriso e, um digno cumprimento de chapéu. Parecia sereno e certo do rumo e destino que dera a vida... 

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